à tarde o mundo é comovente
ainda me apaixono como um adolescente
como guri cabaço escrevo poemas
para os grandes
eu acho
a tarde seria a idade
e cada linha uma catedral
eu nem penso em ser grande
na verdade
agora
eu queria me contrair num pontinho bem pequeno
depois sumir
cansado de metáforas inteligentes e grandiosidade eloqüente
como um guri cabaço quero escrever poemas
à tarde cai a luz mais triste
eu vejo a morte chegar
a tarde
pra mim
é um momento do dia
é um som
é uma certa luz que meus olhos viram na cidade
refletindo prédios nos vidros dos carros que passam
a morte não é minha, mas de algo que preciso matar
tem esse menino que agora vive dentro de mim
às vezes ele aparece ao lado de uma mulher
se todos se dão as mãos, é bonito
mas nem todos enxergam o menino
e muitos que o percebem recebem seus dedos com medo
com pouco esforço pode-se responder à pergunta de Neruda:
“como se chama uma flor que voa de pássaro em pássaro?”
seu nome é maioria
e quando ela volta
quer segurar minha mão
mas
você sabe
são tantas mãos no mundo
tanta publicidade e desejo
que a gente continua procurando
mesmo depois de encontrar
das duas mãos eu te dou uma
esse menino não
olho pra baixo
o menino sorri
ele é tão lindo
penso
talvez ela mude de idéia
mas lá vai ela procurando
e que culpa tem um pássaro (ou uma flor) de voar?
esse menino dentro de mim
ele é estranho
ele fica doente com uma das mãos vazias
então ele me arranha
ele zomba de mim
e diz coisas maldosas no meu ouvido
à tarde, triste, eu penso
quantas crianças doentes já tive no colo?
à tarde eu subo o barranco
de um precipício que eu já conheço enxergo o chão lá embaixo
no meu colo
lá dentro
o menino ri
ele sempre imagina que eu não vou ter coragem
ele está quase certo
mas está sempre errado
e cada vez que ele volta lá de baixo
é um pouco mais deformado
e eu sempre penso
oh, mundo lindo
vem pra cá, moleque
que agora eu vou te curar
vou te fazer um mimo
e então lá vai moleque
precipício abaixo de novo
morrer espatifado
lentamente e doloroso
e eu sinto, porra
é claro que eu sinto
cada osso que o menino quebra é meus cabelos que se vão
e meu peito chora com ele
e dói pra burro
e blá, blá, blá...
à tarde a luz é comovente
e meus olhos observam tudo com uma frieza crescente que me dá medo
e que de forma alguma eu quis pra mim
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