terça-feira, 25 de agosto de 2009

à tarde o mundo é comovente

ainda me apaixono como um adolescente
como guri cabaço escrevo poemas

para os grandes
eu acho
a tarde seria a idade
e cada linha uma catedral

eu nem penso em ser grande
na verdade
agora
eu queria me contrair num pontinho bem pequeno
depois sumir

cansado de metáforas inteligentes e grandiosidade eloqüente
como um guri cabaço quero escrever poemas

à tarde cai a luz mais triste
eu vejo a morte chegar

a tarde
pra mim
é um momento do dia
é um som
é uma certa luz que meus olhos viram na cidade
refletindo prédios nos vidros dos carros que passam

a morte não é minha, mas de algo que preciso matar

tem esse menino que agora vive dentro de mim
às vezes ele aparece ao lado de uma mulher
se todos se dão as mãos, é bonito

mas nem todos enxergam o menino
e muitos que o percebem recebem seus dedos com medo

com pouco esforço pode-se responder à pergunta de Neruda:
“como se chama uma flor que voa de pássaro em pássaro?”

seu nome é maioria

e quando ela volta
quer segurar minha mão
mas
você sabe
são tantas mãos no mundo
tanta publicidade e desejo
que a gente continua procurando
mesmo depois de encontrar

das duas mãos eu te dou uma
esse menino não

olho pra baixo
o menino sorri
ele é tão lindo
penso
talvez ela mude de idéia

mas lá vai ela procurando
e que culpa tem um pássaro (ou uma flor) de voar?

esse menino dentro de mim
ele é estranho
ele fica doente com uma das mãos vazias
então ele me arranha
ele zomba de mim
e diz coisas maldosas no meu ouvido

à tarde, triste, eu penso
quantas crianças doentes já tive no colo?

à tarde eu subo o barranco
de um precipício que eu já conheço enxergo o chão lá embaixo

no meu colo
lá dentro
o menino ri
ele sempre imagina que eu não vou ter coragem
ele está quase certo
mas está sempre errado
e cada vez que ele volta lá de baixo
é um pouco mais deformado

e eu sempre penso
oh, mundo lindo
vem pra cá, moleque
que agora eu vou te curar
vou te fazer um mimo

e então lá vai moleque
precipício abaixo de novo
morrer espatifado
lentamente e doloroso

e eu sinto, porra
é claro que eu sinto
cada osso que o menino quebra é meus cabelos que se vão
e meu peito chora com ele
e dói pra burro
e blá, blá, blá...

à tarde a luz é comovente
e meus olhos observam tudo com uma frieza crescente que me dá medo
e que de forma alguma eu quis pra mim

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